Desafios da avaliação do programa de vacinação: o caso da dengue

Antes da comercialização e implementação de programas de imunização, a eficácia das vacinas é estudada em ensaios clínicos controlados que oferecem um acompanhamento rigoroso dos pacientes. No entanto, avaliar o impacto populacional da implementação massiva das vacinas apresenta importantes desafios metodológicos. Geralmente, estudos de caso-controle são usados ​​para avaliar a efetividade das vacinas, ou seja, seu efeito em condições reais. No entanto, estes desenhos apresentam riscos de diversos vieses incluindo na seleção dos participantes e na medição das exposições, entre outros.

Um caso particularmente desafiador foi a avaliação da eficácia da vacina contra dengue, aplicada em uma campanha massiva no Paraná. Esta vacina, desenvolvida pela empresa Sanofi, foi a primeira disponível no mercado contra este arbovírus. Após os primeiros estudos, observou-se que a vacina era benéfica apenas em pacientes que já tinham tido exposição ao vírus comprovada por exame sorológico (identificação de anticorpos no sangue). Este condicionamento representou uma limitação importante para a sua ampla aplicação, uma vez que os testes sorológicos nem sempre estão disponíveis em populações de risco.

Uma pesquisa recente, realizada pelo prof. Fredi Alexander Diaz Quijano, da FSP-USP, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Paraná, avaliou o impacto da campanha no Paraná. O estudo demonstrou redução de 71% no risco de dengue associado à vacina quando aplicada em pessoas com histórico de dengue. Os pesquisadores documentaram esse histórico a partir dos dados de vigilância epidemiológica coletados de forma rotineira. Em contrapartida, a população sem esse histórico não teve benefício significativo com a vacinação. De fato, neste último grupo a vacina esteve associada a um aumento significativo de casos causados ​​pelo sorotipo 2 da dengue.

Além de obter resultados relevantes para a saúde pública, a pesquisa também foi metodologicamente exemplar porque:

1. Aplicou métodos idôneos para inferência causal, como diagramas causais para orientar o controle de confundidores e ponderações na análise para reverter vieses na seleção de controles.

2. Além disso, a documentação do histórico de dengue pelo sistema de vigilância possibilitou a identificação de pessoas que se beneficiariam com a vacinação. Isto pode ser muito útil em populações que não têm acesso a testes serológicos.

Portanto, esta experiência pode servir de referência metodológica para futuras avaliações da efetividade das vacinas, não apenas para a dengue, mas também para outras doenças prioritárias de saúde.

O artigo dessa pesquisa acaba de ser publicado na revista The Lancet Regional Health – Americas, e está disponível no seguinte link: https://authors.elsevier.com/sd/article/S2667193X24001042

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